quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Só mais um dia cruel

                                                                                                                                                                                                                              
Era mais um dia comum, Vera Lúcia dos Santos acordou às 3h30 da manhã. Como de costume tomou banho e vestiu o uniforme de empregada doméstica. Comeu um pequeno pedaço de pão dormido. E, para molhar a garganta e apaziguar o sono e o cansaço, bebeu um cafezinho preto. Sim, preto! Pois o pouco de leite que restara na geladeira era sempre destinado aos dois filhos, Lucas Roberto de quatro anos e Pedro Augusto de apenas dois.

Depois do café, acordou o filho mais velho com um beijo e, pediu que cuidasse do irmãozinho. Sempre deixava os meninos sozinhos, afinal de contas, precisava trabalhar e não havia dinheiro para pagar uma pessoa para cuidar deles. Antes de sair fez uma oração pedindo proteção para os filhos. Pediu com muita fé que não ocorresse nenhum tiroteio na sua comunidade e, seguiu tranquilamente morro abaixo.

Já eram 5h, estava muito atrasada para pegar a condução, certamente receberia mais uma reclamação da patroa. Entretanto, a madame da Zona Sul, que nunca precisou usar um coletivo lotado, não tinha dimensão que sua empregada precisava pegar dois ônibus e um metrô para chegar no trabalho. Vera Lúcia sempre ouvia da sua patroa que parasse de “mimimi” e acordasse mais cedo. A moça não tinha nada a fazer, além de falar baixinho para si mesma “só se eu não dormir”. Uma vez, falou um pouco mais alto e, quase perdeu o emprego. Precisou pedir de joelhos para não ser demitida, ao mesmo tempo que chorava e pensava nos dois filhos.

E, mais um dia de serviço começa: lava, passa, cozinha, coloca e tira a mesa, dá banho nas crianças, leva o cachorro para passear, rega as plantas, faz faxina na casa. Ufa! Finalmente conseguiu parar para almoçar. Chega à tarde e, o serviço continua, precisa pegar as crianças na escola. Para Vera Lúcia, é triste pensar que cuida dos filhos dos patrões, enquanto os seus estão em casa sozinhos. Antes de ir embora, precisa deixar a mesa do café pronta. Finalizado o serviço, ela segue em direção a estação do metrô.

A luta continua, o seu esforço agora é conseguir um lugar para sentar, mas infelizmente não consegue e, todo o trajeto é feito em pé, espremida na condução como se fosse uma sardinha, ela só deseja chegar em casa, tomar um banho quente, brincar com os filhos e dormir. Enquanto sobe o morro, ouve trocas de tiros, fica desesperada e só pensa nas crianças, mas antes de completar o pensamento, uma bala perdida atinge o seu coração. Muito sangue escorre do seu corpo e Vera Lúcia cai no chão morta.

Assim, mais uma vida é perdida pela violência que aflige o país. Vera Lúcia, mulher, negra, mãe solteira e com apenas 23 anos, deixa dois filhos pequenos órfãos de mãe, porque de pai, já eram antes do nascimento. O seu pedido de proteção aos filhos foi realizado, mas ela não teve tanta sorte. Seus filhos ficarão jogados na sociedade sozinhos e, qual será o destino dessas crianças sem ninguém para ampará-los? Essa é só mais uma trágica história que acontece todos os dias no Brasil. E ainda tem algumas pessoas que querem mais violência. Mas, vale lembrar que a maioria da população não vive em condomínios luxuosos com segurança.
                                                                                                                                                                                                                 História Fictícia 

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